Delfim Netto: ‘Energia e economia’

Quando o governo impede que o consumidor seja racional, as coisas desandam na economia. O represamento no preço dos combustíveis no ano passado e a demora em corrigi-lo, mais uma combinação perversa de fatores climáticos neste verão tórrido de 2014 em que choveu forte nos lugares errados estimularam além do razoável o consumo de energia.

Não é só o governo que tem que ser racional; o consumidor também precisa agir racionalmente. O governo deve aumentar os preços da energia e dos combustíveis, por razões muito menos perniciosas do que ele supõe: em primeiro lugar é preciso sinalizar para a sociedade que é preciso economizar o uso da energia e não é apenas por causa do modelo energético, mas também pelo problema climático. Precisamos de uma redução de 4% ou 5% no consumo de energia elétrica. Qual é o sinal para o consumidor tomar conhecimento do problema e entender que precisamos economizar energia elétrica? Isso só se fará com o aumento do preço, da mesma forma que acontecerá com o consumo dos combustíveis derivados do petróleo. É desperdício de tempo tentar esconder que estamos diante de um problema que só se resolve liberando os preços, encontrando mecanismos que façam esses sinais chegarem ao consumidor, para que ele passe a agir racionalmente. Não é o governo, só, que tem que ser racional; o consumidor precisa ser avisado de que está na hora de ser racional…

Quando o governo não sinaliza aos consumidores que a escassez de água e energia é maior do que aquela que supõem, eles não vão se comportar de acordo. Isso pode ter um efeito momentâneo nos preços, mas ajuda a reduzir a expectativa de inflação futura, porque mostra que o governo está agindo na direção correta.

O erro que cometemos foi estimular o consumo num momento em que já se estava reduzindo a oferta de energia, com níveis modestos de água nos reservatórios das hidrelétricas, abaixo do desejável. O resultado é que todo o parque termoelétrico foi posto para funcionar, com seus custos altíssimos: a consequência é que o preço dessa energia vai subir muito mais do que subiria.

Não há nada que substitua o sistema de preços como sinalizador para influir no comportamento do consumidor.

Se cair o preço, sobe o consumo um pouco mais; se subir o preço, sofre a demanda; o consumidor substitui um produto por outro. Nos casos de água e energia, quando a substituição é muito pouco permitida por que não tem alternativa evidente, o sistema de preços é a única forma de estimular o consumidor a se comportar com maior racionalidade.

Antonio Delfim Netto é economista e ex-ministro de Agricultura e Planejamento

Fonte: Portal PCH – 24/03/2014

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