Acordo poderá esticar prazo para pagar R$ 62 bi a elétricas

O governo, empresas que detêm linhas de transmissão e grandes consumidores industriais de energia discutem formas de aliviar o impacto nas contas de luz provocado pelas indenizações multibilionárias devidas ao setor elétrico. A ideia com mais possibilidade de vingar é o alongamento do prazo de oito anos para pagar R$ 62,2 bilhões às transmissoras com ativos construídos antes de maio de 2000 e ainda não amortizados.

 

O valor precisa ser desembolsado às empresas que prorrogaram suas concessões no fim de 2012, por meio da polêmica MP 579, medida provisória assinada pela ex-presidente Dilma Rousseff. Para gerar recursos suficientes, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou um adicional médio de 7,17% nas tarifas dos consumidores, válido até 2024. O repasse para as transmissoras começa agora em julho.

 

Duas reuniões já foram realizadas no Ministério de Minas e Energia para contornar o mal estar entre as partes. Uma liminar obtida pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) – que tem Vale, Braskem, Gerdau, Alcoa e CSN entre suas associadas – impede judicialmente a cobrança de R$ 9 bilhões do montante total de indenizações.

 

Na tentativa de evitar um prolongamento do conflito nos tribunais, o governo busca outra outras saídas. A alternativa considerada mais viável é uma diluição do prazo de pagamento – possivelmente com parcelas até o fim das concessões, que foram renovadas por 30 anos em 2012.

 

"Há ânimo dos dois lados para brigar", reconhece uma autoridade do setor elétrico. "A ideia é não revisitar todo o problema. Se voltarmos à estaca zero, isso traz uma insegurança muito grande", diz a fonte, lembrando que algumas transmissoras já colocaram uma previsão de pagamento das indenizações em seus balanços.

 

A autoridade ouvida pelo Valor Econômico se refere à ofensiva da Abrace para rever o custo das reparações. O presidente-executivo da entidade, Edvaldo Alves de Santana, enviou ofício à Aneel com severos questionamentos sobre os valores calculados. No ofício, relata a conclusão de auditoria própria contratada pela Abrace: os valores de indenização para uma das transmissoras – Furnas – estão inflados indevidamente em R$ 2,2 bilhões, segundo a associação. "É apenas uma amostra das distorções", afirma Santana, que já foi diretor da Aneel e tem participado das reuniões no ministério em busca de solução.

 

Essa auditoria paralela demonstra, por exemplo, que uma torre metálica de 1977 tinha depreciação acumulada de 45% e um conversor de corrente contínua implantado em 1986 estava 59% amortizado. Para a Abrace, equipamentos com quase quatro décadas de uso já deveriam estar com depreciação muito avançada ou totalmente amortizados, se forem seguidos os manuais de contabilidade e de controle patrimonial do setor elétrico. Só nesses dois ativos há uma superestimativa de R$ 520 milhões na indenização calculada, sustenta a associação de consumidores.

 

Em outro caso levantado, um conversor de corrente contínua utilizado na linha de transmissão para o escoamento da usina binacional de Itaipu vale hoje cerca de quatro vezes o custo de equipamento equivalente no linhão de Belo Monte. "Os laudos validados pela Aneel precisam ser novamente avaliados", acrescenta Santana, no ofício à Aneel.

 

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Mário Miranda, diz que suas afiliadas não se opõem a discutir um prazo maior de pagamento das indenizações. No entanto, ele ressalta que essa diluição só deveria atingir a parte "judicializada" das compensações – ou seja, aquela correspondente à indústria, sem incluir os consumidores do mercado cativo (distribuidoras). Outra questão de honra para as transmissoras é manter o índice de correção do pagamento.

 

"Não podemos abrir mão de deveres, nem de direitos", pontua Miranda. O executivo descarta a reabertura de negociações em torno de valores e avisa que, se isso acontecer, as concessionárias estão dispostas a pleitear, inclusive, indenizações maiores.

 

Embora as concessões das empresas de transmissão tenham sido renovadas há mais de quatro anos, o pagamento dos ativos pré-2000 só vai começar no mês que vem. Miranda lembra que, no meio tempo, as companhias recorreram a empréstimos bancários com taxas elevadas para honrar seus compromissos operacionais. No ano passado, por exemplo, elas investiram R$ 3,1 bilhões em obras de reforços e melhorias no sistema. "Isso gerou desequilíbrios no nosso segmento", completa o presidente da Abrate, notando que, enquanto não houve definição em torno dos pagamentos, os leilões de novas linhas de transmissão ficaram sem a presença das atuais concessionárias.

 

Nos bastidores, a Aneel tem defendido com força seus cálculos para as indenizações. O ministério não pretende contrariar a agência. Só estuda mudar o indexador dos pagamentos. Quase 60% do montante total de R$ 62 bilhões devido às transmissoras têm origem no custo financeiro.

 

Para uma fonte graduada do governo, houve uma "lambança" da ex-presidente Dilma ao lidar com o assunto. Para renovar seus contratos, as concessionárias tiveram que abrir mão de mais de 70% de suas receitas.

 

O objetivo era reduzir as tarifas para os consumidores. Só que a Reserva Global de Reversão (RGR), fundo específico para o pagamento de indenizações no setor elétrico, foi esvaziada muito antes de quitar a fatura. Aí veio a ironia da história: depois de uma redução de 20% nas contas de luz, tão celebrada por Dilma, foi preciso criar um adicional tarifário justamente para pagar essa "bondade".

 

Fonte: Valor Econômico.

 

 

 

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