O Ministério de Minas e Energia publicou a revisão da garantia física das usinas hidrelétricas, resultando em uma redução de cerca de 1300 MW médios a partir de 2018. Os novos valores foram publicados pelo Ministério de Minas e Energia na quinta-feira, 4 de maio. Eles representam redução de 2,3% na energia disponível para contratação no Sistema Interligado, trazendo mais realismo ao planejamento, reduzindo a necessidade de contratação de energia de reserva e contribuindo para dar mais claridade à realização dos leilões de energia regulares de lastro, que é onde a verdadeira comercialização de energia ocorre. Aos agentes, traz previsibilidade ao ter a vigência dos novos valores aplicada a partir de 2018.

 

A garantia física de energia é um valor calculado pelo planejamento que determina a contribuição de cada gerador para a segurança de suprimento. Seu uso é essencial no setor, pois serve como base para o rateio da produção total das usinas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia entre as mesmas; e como limite (lastro) para a contratação de energia por parte dessas usinas. E o limite de contratação é o embrião do atual sistema de garantia de suprimento, baseado na obrigação de contratar 100% do consumo e na obrigatoriedade de respaldar qualquer contrato com garantia física.

 

O calculo da garantia física é um processo naturalmente imperfeito pois depende de muitos fatores. Por isso, existem revisões ordinárias, que possuem como objetivo aproximar da melhor forma possível os mundos físico e comerciais, ou seja, assegurar que a soma das garantias físicas de todas as usinas, que é uma medida comercial, se aproxime à capacidade física de geração dessas usinas de acordo com o critério de suprimento do país. E, é claro, estimular os proprietários das usinas a investir na respectiva manutenção.

 

A situação é análoga a garantir que o volume de papel moeda emitido corresponda ao "lastro" físico do mesmo, como no antigo "padrão ouro".

 

Desta forma, foi estabelecida uma regra segundo a qual ocorreriam revisões ordinárias das garantias físicas a cada cinco anos, e também na ocorrência de eventos excepcionais. Para dar uma proteção aos investidores, a garantia física de uma usina não pode ser reduzida em mais de 5% em uma revisão ordinária, e tampouco ir abaixo de 90% de seu valor original, estabelecido no respectivo contrato de concessão.

 

Como esta regra cria uma proteção absoluta para os investidores, ela teve como contrapartida a liberdade de o governo fazer a revisão da forma que achasse mais adequada. Assim, cabe ao governo decidir, com inteira autonomia, se as revisões incorporariam, ou não, novos critérios de suprimento; aumentos no uso da água a montante; alterações no histórico de vazões; novas restrições ambientais; e assim por diante.

 

A primeira revisão ocorreria em 2003, mas foi adiada para – pasmem – ocorrer a partir de 2015, dando a sensação ao mercado que a revisão periódica era "para inglês ver". Para piorar, tivemos onze anos desde 2003 para discutir como a revisão periódica deveria ser realizada, mas praticamente ninguém, governo ou agentes, deu atenção a este tema. Na verdade o evento significativo relativo a garantias físicas foi negativo e do governo Dilma: falha em aproveitar a renovação das concessões decorrente da MP 579 para revisar as garantias físicas das usinas afetadas sem os limites de 5%-10%.

 

No finalzinho de 2014, nova portaria do MME determinou o adiamento da revisão para o início de 2016, mas igualmente não implementado.

 

A entrada do novo governo retomou o processo com seriedade, respaldo técnico e em menos de 1 ano concluiu novos cálculos e chegou na redução de 1300 MW médios. Este valor, além de trazer mais realismo ao planejamento, reduzir a necessidade de contratação de energia de reserva e contribuir para dar mais claridade à realização dos leilões de energia regulares de lastro, possui a consequência principal de simplesmente aplicar uma regra prevista.

 

Ou seja, mostrar que o principal passo para melhorar o ambiente institucional e comercial do setor elétrico é estabelecer que regras serão cumpridas à risca, eliminando a crença que regras e compromissos não são "para valer", o que induz a aposta na bagunça.

 

A revisão é um processo duro, desagradável, mas necessário. Do lado dos geradores, haverá perdas de um lado e ganhos nos casos em que a garantia física tiver acréscimo, mas as regras eram conhecidas. Aperfeiçoamentos metodológicos são necessários e cabe ao governo começar desde já a discussão da metodologia e critérios para a próxima revisão, em 2023.

 

O governo atual poderia ser ainda mais audacioso. O sistema tem usinas – como Itaipu e as cotas da 579 – que são contratados com o consumidor regulado e possuem mecanismos de comercialização distintos das demais hidrelétricas. Estas usinas recebem suas receitas "por capacidade", e não comercializam garantia física. Portanto, a redução de garantia física individual a estas duas classes de usinas poderia ser aplicada de forma integral, observando os valores técnicos e violando seus limites de 5%.

 

Essa medida, além de aportar ainda mais realismo na adequabilidade entre planejamento e operação, possui outros benefícios: reduzir a potencial exposição do consumidor regulado ao risco hidrológico das UHE Itaipu e das usinas cotistas. Adicionalmente, a medida enseja, em função da redução da energia alocada às usinas anteriormente mencionadas, que o MRE disponha de mais energia para alocação às demais usinas, reduzindo, também, suas exposições ao GSF.

 

Visto que o risco hidrológico da maioria dos contratos destes geradores com o ACR foi "repactuado" em 2015 (e é transferido ao consumidor) um GSF sistêmico menor, quando aplicado a um volume de contratos menores de cotas e Itaipu com o ACR, melhora potencialmente os impactos tarifários destes contratos específicos no ACR. Em 2004 a UHE Itaipu já teve sua garantia física reduzida em um valor superior a 5%, ou seja há precedente. E como a vigência das novas garantias físicas é para 2018, dá tempo.

 

Fonte: Valor Econômico.

 

 

 

 

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