Quem paga a conta da descontratação de energia

A crise econômica derrubou o consumo brasileiro de energia. Planejado para atender um crescimento de 2,5% anuais no período 2014-2019, o sistema elétrico interligado está sendo forçado a acomodar uma brutal recessão que diminuiu 0,2% o consumo de energia entre 2014 e 2016. Essa trajetória de consumo, inesperada, provocou a emergência de uma enorme capacidade ociosa cujo custo deve ser administrado pelo sistema.

O regime regulamentar atual obriga as distribuidoras de energia a contratarem 100% de sua previsão de energia para os 5 anos próximos. Como resultado dessa regra, as concessionárias estão com vultosa quantidade de energia contratada muito acima de sua demanda (mais de 11%).  A regulação setorial permite que elas repassem 5% dos seus custos da energia contratada, porém não consumida, para as tarifas dos consumidores. Dessa forma, estes terão suas tarifas elevadas em cerca de 2% (aproximadamente R$ 3,4 bilhões) para limitar os prejuízos das distribuidoras com contratos de energia acima das necessidades de seus consumidores. No entanto, as concessionárias terão que arcar com outros R$ 3,5 bilhões dos custos associados a sua sobrecontratação de energia.

Essa situação deve se agravar nos próximos anos, à medida que diversos projetos em construção entrarão em operação e as expectativas quanto à retomada do ritmo de crescimento econômico seguem sendo pouco otimistas. 

O cenário mais provável para o consumo de energia é que ele venha a aumentar 2% no ano em curso e 3% anuais em média no período 2018-2019. Como as distribuidoras já contrataram aproximadamente 26 GW de capacidade de geração adicionais, a capacidade ociosa do sistema continuará crescendo nos próximos anos (o parque gerador existente soma 133,2 GW).

Essa situação é obviamente muito preocupante. Se nada for mudado, os consumidores de energia continuarão a pagar mais 2% em suas tarifas por uma energia que não consomem e as distribuidoras terão que arcar com prejuízos milionários. Essa trajetória sugere que as tarifas elétricas brasileiras permanecerão não competitivas até o final da década. Pior, as distribuidoras não farão os investimentos necessários para garantir a qualidade dos serviços elétricos prestados a seus consumidores, colocando em risco a retomada do crescimento da economia.

As concessionárias têm reivindicado que a sobrecontratação de energia seja considerada involuntária, pois ela teria sido fruto da queda imprevisível da atividade econômica nos últimos anos. Aceita essa tese, os seus custos seriam integralmente repassados para as tarifas dos consumidores, que terão suas tarifas elevadas em R$ 3,5 bilhões adicionais. Caso essa solução se revele politicamente inviável, é provável que as concessionárias recorram ao Judiciário com o objetivo de impedir a rápida deterioração de sua saúde financeira. Dessa forma, a judicialização dos fluxos financeiros setoriais ganharia uma nova dimensão.

Preocupado com essa situação, o MME está propondo medidas que possam minorar o problema. Uma dessas medidas é a realização de leilões em que geradores, particularmente aqueles com dificuldades para finalizar seus projetos, possam renunciar (sic) a alguns contratos em leilões setoriais, mediante alguma compensação financeira para os consumidores.
Entretanto, dada a dimensão financeira do problema, dificilmente esse artifício regulatório será suficiente para equacioná-lo.

Outra medida é a redução das garantias físicas outorgadas para os geradores pela Aneel, medida prevista nos contratos de concessão. Essas garantias definem as quantidades de energia que os geradores podem oferecer em seus contratos com os consumidores. A Nota Técnica 238 da Aneel deixa claro que é necessária uma forte redução das garantias físicas outorgadas para evitar a grita dos geradores.

Sintetizando, é bastante provável que o Tesouro Nacional seja solicitado a fazer aportes financeiros significativos para o sistema elétrico a fim de evitar fortes aumentos nas tarifas dos consumidores e minorar as perdas financeiras das concessionárias com o objetivo de preservar tanto a competitividade das tarifas elétricas quanto a confiabilidade do suprimento de energia para os consumidores.

É importante notar que a melhor gestão dos reservatórios hidrelétricos permitirá elevar o fator de capacidade das hidrelétricas (quantidade de energia por MW instalado) dos atuais 42,8% para o seu patamar histórico mínimo de 50%. Essa mudança aumentará aproximadamente 10% a oferta de energia do parque gerador atual. Essa perspectiva indica que não haverá necessidade da contratação de novas centrais até o final da presente década. Vale dizer, o setor elétrico deixará de exercer o papel de elemento central da indução do crescimento econômico e da geração de empregos que exerceu no passado recente. Essa é a má notícia.

A boa notícia é que a situação atual de excesso de capacidade cria condições favoráveis para uma profunda revisão da regulação setorial, especialmente no que se refere ao repasse dos custos associados aos riscos da expansão setorial. Atualmente, o repasse desses custos está concentrado nas distribuidoras e nos seus consumidores cativos. Essa situação parece confortável para os geradores, porém estes ficam na dependência de que a gestão dos reservatórios hidrelétricos não coloque em risco as garantias físicas outorgadas pela Aneel. A atual regulação acumula passivos financeiros que, ao tomarem dimensões relevantes, acabam repassando os riscos setoriais para o Tesouro Nacional. Essa solução é insustentável do ponto de vista econômico.

Fonte: Valor Econômico

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